LINGUÍSTICA I

Linguística
FASE PRÉ-SAUSSURIANA

A ciência que recebeu o nome de Linguística passou por três fases antes de receber reconhecer seu objeto de estudo.
A Linguística, assim como é conhecida atualmente, adquiriu status de ciência no final do século XIX, com o linguista suíço Ferdinand de Saussure. A vitalidade dos pensamentos saussurianos pode ser percebida até hoje e sua atualidade é inegável. Com a publicação do livro clássico Curso de Linguística Geral, as repercussões das ideias nele contidas se multiplicaram, dando origem a algumas correntes linguísticas como, por exemplo, a Estruturalista, a Funcionalista e a Gerativa.
Mas, antes de Saussure, a linguagem era estudada de forma assistemática, irregular, tendo um caráter puramente normativo e descritivo. Ais estudos dos fatos da língua eram mesclados estudos filológicos e especulações filosóficas. As três fases pré-saussurianas são: a filosófica, a filológica e a histórico-comparatista.
  Os estudos filosóficos surgiram como uma disciplina normativa, desprovidos de cientificidade e desinteressados da língua por ela mesma. Esses estudos foram iniciados pelos gregos, contendo reflexões acerca da origem da linguagem, baseados na Filosofia e abrangendo a Etimologia, a Semântica, a Retórica, a Morfologia, a Fonologia, a Filologia e a Sintaxe. Tais estudos gregos influenciaram os romanos que reproduziram a Gramática grega, fazendo nascer a gramática das regras e das exceções.
As preocupações filológicas se constituem a segunda fase dos estudos dos fatos linguísticos. Surgidas em Alexandria, eram marcadamente gramaticais, dedicando-se à Morfologia, à Sintaxe e à Fonética, tendo como um de seus maiores divulgadores August Worf. A língua não é o único objeto da Filologia, e seus objetivos eram além de interpretar e comentar textos, estudar os costumes, as instituições e a história literária de um povo. Entretanto, seu ponto de vista crítico torna-se falho, pelo fato de ela ater-se demasiadamente à língua escrita, deixando de lado a língua falada. Contudo, é de se reconhecer que as pesquisas filológicas serviram de base para o surgimento e consolidação da Linguística histórico-comparatista.
Antes de reconhecer seu principal objeto de investigação, a Linguística passou por mais uma fase, a histórico-comparatista. Esse período começou com a descoberta do sânscrito, mostrando as relações de parentesco genético do latim, do grego, das línguas germânicas, eslavas e célticas com aquela antiga língua da Índia. Um dos estudiosos que procurou estabelecer graus de parentesco foi Franz Bopp, que publicou uma obra chamada Sistema de Conjugação do Sânscrito, sendo o primeiro a compreender que uma língua poderia ser esclarecida por meio de outra, explicando a forma de uma pela forma da outra. Entretanto, esse método comparativo não chegou a constituir a verdadeira ciência da Linguística, isso pelo fato de não se perguntar a que levava essa comparação e o que significavam as analogias que descobriam. Segundo Saussure, esse campo foi exclusivamente comparativo, em vez de histórico.
As três fases, que antecederam a Linguística como ciência propriamente dita, prestaram importantes contribuições aos problemas das manifestações da linguagem humana, apesar de não esclarecer, de forma mais sistemática, esses problemas.





A LINGUÍSTICA E A RELAÇÃO COM OUTRAS CIÊNCIAS



A matéria da Linguística é constituída inicialmente por todas as manifestações da linguagem humana, quer se trate de povos selvagens ou de nações civilizadas, de épocas arcaicas, clássica, ou de decadência, considerando-se em cada período não só a linguagem correta e a “bela linguagem”, mas todas as formas de expressão. Isso não é tudo: como todas as formas de expressão. Isso não é tudo: como a linguagem escapa as mais das vezes à observação, o linguista deverá ter em conta os textos escritos, pois, somente eles farão conhecer os idiomas passados ou distantes:
A tarefa da Linguística será:
Fazer a descrição e a história de todas  as línguas que puder abranger, o que quer dizer: fazer a história das famílias de línguas e reconstituir, na medida do possível, as línguas-mães de cada família;
Procurar as forças que estão em jogo, de modo a permanente e universal, em todas as línguas e deduzir as leis gerais às quais se possam referir todos os fenômenos peculiares da história;
Delimitar-se e definir-se a si própria. Saussure(1988)


OBJETO DA LINGUISTICA


O objeto da linguística não havia precisado, decorrendo a inexistência de um método próprio. Assim, mereciam maior preocupação dos estudiosos fatos como relação entre os textos e a cultura circulante.
Saussure (2006) nomeia pela primeira vez, com a maior clareza, o objeto da linguística, strictu sensu. Partindo do ponto de vista da  linguagem como fenômeno unitário. Divide-a em língua (langue) e discurso (parole). A língua é um sistema de valores que se opõem uns aos outros e que está depositado como produto social na mente de cada falante de uma comunidade; possui homogeneidade e por isto, é o objeto da linguística propriamente dito.
O discurso é um ato individual, em que interferem muitos outros fatores extralinguísticos e no qual se fazem sentir a vontade e liberdade individuais, sendo, portanto, heterogêneo não se prestando à descrição linguística. Apesar de reconhecer interdependência entre língua e discurso, Saussure considerava, pois, com o objeto stricto senso da linguística, a língua.
Gleason(1961), enfatiza que A linguística é a ciências que procura entender a língua do ponto de vista de usa interna, outros autores ampliam o conceito dizendo que a Linguística é o estudo científico da linguagem da linguagem.


GLEASON, H.A. An introduction to descriptive linguistics. New York, Holt. Rinehart and Winston, 1961.

SAUSSURE, F. de. Curso de linguística geral. Trad. de A. Chelini, J.P. Paes e I. Blikstein. São Paulo, Cultrix, Universidade de São Paulo, 1988.




A DISCIPLINA LINGUÍSTICA NOS CURSOS DE LETRAS


Guilherme Fromm

Na maioria das faculdades/universidades privadas, atualmente, os cursos de graduação em Letras são de licenciatura em português e uma língua estrangeira (predominantemente inglês, ocasionalmente espanhol). Por imposições do MEC, novos cursos devem comportar uma variada gama de matérias voltadas para práticas pedagógicas, além de uma grande carga horária dedicada a estágios. Em contrapartida, por imposições do mercado, a maioria dos cursos tem sua duração reduzida a três anos.
 O quadro final, de um modo geral, é um bacharelado em Letras realizado em dois anos (o terceiro ano voltado para a licenciatura), quando devem ser trabalhadas várias disciplinas específicas: latim, linguística, línguas e literaturas (do português e da língua estrangeira). Considerando que grande parte dos alunos apresenta deficiências provenientes do ensino médio, cabe aos professores o desafio de tentar desenvolver uma grande variedade de informações em pouco tempo.
 Dentre as disciplinas a serem cursadas, a linguística é uma das que mais sofrem com essas reduções de carga horária. Tendo em vista que o fundamento teórico/prático da linguística é a base para o ensino de todas as outras línguas estudadas, deveria figurar entre as disciplinas básicas (como português ou língua estrangeira). A grande problemática derivada da restrita carga horária é que os alunos passam a considerá-la uma disciplina acessória, qualquer que faz parte da matriz curricular, mas que não está conectada às demais.  Motivados por essas constatações, procedemos à consulta a alunos de universidades públicas e privadas sobre o papel da disciplina linguística em relação à matriz curricular e fizemos uma análise contrastiva das respectivas matrizes. Posteriormente, apresentamos novas tendências de ensino na área e proporemos parte de um modelo de matriz, em que linguística interage com as demais disciplinas, de modo a possibilitar a redução no tempo de aprendizagem, já que várias disciplinas, por deficiências de planejamento, repetem muitos conceitos linguísticos básicos sob diferentes roupagens.  
As matrizes nos cursos de Letras: exemplos

Quando estudamos matrizes curriculares, há a necessidade de se fazer uma distinção entre universidades públicas e privadas e ainda entre as faculdades. As universidades públicas, de um modo geral, ainda mantêm o curso de Letras com quatro anos de duração para o bacharelado e a licenciatura é cursada separadamente; essas universidades têm grande autonomia em relação ao MEC, especialmente as estaduais. As universidades e faculdades privadas, com autonomia gradiente frente ao MEC, tendem a reduzir os cursos somente à licenciatura, ou seja, unindo o bacharelado e a licenciatura em uma única matriz de três anos.  Todas, de um modo geral, permitem ao aluno bacharelar-se/licenciar-se em duas línguas/literaturas correspondentes. As públicas costumam oferecer uma gama maior de línguas (e disciplinas optativas), as privadas concentram-se no português (sempre presente) e uma língua estrangeira (geralmente o inglês). A carga da disciplina de linguística depende da quantidade de anos/semestres do curso. A divisão dessa carga em número de horas, porém, difere entre as universidades/faculdades.
Notamos que a carga horária total dos cursos é quase equivalente, porém, percebemos a grande diferença entre a carga básica da faculdade pública (cuja licenciatura deve ser complementada em outra unidade) e as demais. Frente à baixa autonomia das universidades/faculdades particulares em relação ao MEC, essas têm que solicitar aos alunos seiscentas horas de estágio (entre estágio regular, 400 horas, e atividades complementares, 200 horas) e ainda inserir disciplinas pedagógicas na grade (aproximadamente 200 horas). Excluindo da carga horária total a média dessas horas de estágio e disciplinas, chega-se a aproximadamente 2.200 horas, ou 27,6% menos horas que na universidade pública.
Esse quadro nos oferece, ainda, várias informações sobre como a disciplina Linguística é tratada nos cursos de Letras:

•  Como disciplina nomeada linguística, na universidade Y, apresenta a maior carga horária; no cômputo geral, no entanto, linguística representa somente 5,33% do total;
• a universidade Y é a única que não apresenta disciplinas correlatas com linguística;
• a universidade W, declaradamente, é a única que trabalha com disciplinas de linguística aplicada à língua estrangeira (inglês, no caso);
• as universidades X e Y relacionam a linguística à língua portuguesa através da disciplina filologia românica;
• a universidade Z é a única que apresenta a disciplina semiótica;
• a maior diferença entre a carga total de linguística, entre as universidades W e Y, é de 44,4% e
• a universidade X é a única que mantem uma licenciatura em um curso de quatro anos; é também aquela que apresenta a maior quantidade de horas na matriz das licenciaturas.

O ponto de vista do aluno

 Verificamos, por meio da pesquisa (ver anexo 1) que, apesar da baixa carga horária no cômputo geral da matriz, os alunos consideram a disciplina de linguística importante (40%) ou muito importante (60%), o que é bastante animador para os professores que contam com pouco tempo para desenvolvê-la.
 Alguns fatos, para nós inéditos, começam a aparecer quando procuramos relacionar a disciplina de linguística com as demais do curso. Um aluno (6,66%) respondeu que essa disciplina pouco se relaciona com as demais, 4 (26,66%) afirmam que se correlaciona e alguma maneira, 4 (26,66%) reconhecem que a correlação é frequente e 6 (40%) acreditam que ela está totalmente correlacionada com as demais disciplinas. De um certo modo, representa um alívio para os professores e coordenadores dos cursos, já que mostra que 66,66% desses alunos têm algum grau de consciência sobre o planejamento geral da matriz.
Já a relação teoria/prática apresenta um descompasso entre as opiniões. Percebemos em muitos cursos, ao analisarmos as ementas da disciplina, que o ensino de linguística ainda está muito voltado para a teoria; pouco ou quase nada dessas ementas apresenta propostas para a linguística aplicada. As impressões dos alunos, porém, não parecem confirmar isso: apenas um considerou o ensino totalmente voltado para a teoria (6,66%); cinco escolheram a opção que apresenta o curso quase que totalmente teórico (33,33%); oito (53,33%) consideraram haver um equilíbrio entre teoria e prática e apenas um (6,66%) achou que o curso é quase que totalmente prático.
 
LINGUAGEM VERBAL E NÃO VERBAL

 
Sempre que nos comunicamos com alguém utilizamos dois tipos de linguagem: verbal e não verbal. A linguagem verbal compõe-se de palavras e frases. A linguagem não verbal é constituída pelos outros elementos envolvidos na comunicação, a saber: gestos, tom de voz, postura corporal, etc.
Que ninguém duvide do poder da linguagem não verbal. Se uma pessoa lhe diz que está muito feliz mas sua voz é baixa, seus ombros estão caídos, o rosto inexpressivo, em qual mensagem você acredita? Na que ouviu ou na que viu? À esta discrepância entre a linguagem verbal e não verbal damos o nome de incongruência. Portanto, uma pessoa incongruente em determinado aspecto diz uma coisa e expressa outra diferente através de seus gestos, postura, voz, etc.
A linguagem não verbal provém do inconsciente de quem se comunica. Esta é a razão pela qual é tão difícil controlá-la conscientemente (por exemplo, um candidato a um emprego tem dificuldades para disfarçar suas mãos trêmulas em virtude da ansiedade na hora da entrevista). E será processada pelo inconsciente de quem recebe esta comunicação. Deste fato decorrem algumas observações interessantes.
Imagine a seguinte situação: Uma mãe diz a seu filho que o ama, mas com uma voz ríspida e expressão agressiva. Obviamente, o inconsciente da criança registrará a incongruência e ela não se sentirá amada. Todavia, a fim de se proteger da dor que isto causa, ela poderá não dar ouvidos à mensagem inconsciente, procurará ignorá-la e assim se convencer de que a mãe a ama. Com o tempo e com a repetição, ela poderá aprender a desconsiderar sempre a mensagem de seu inconsciente.
Em geral uma pessoa que expressa uma incongruência está dividida internamente. Imagine um político explicando sua plataforma política a seus eleitores de uma forma que não os convence. É como se uma parte dele confiasse no plano e estivesse convencida de seus benefícios, mas outra parte sua tivesse dúvidas a respeito de sua eficácia. Por este motivo, a comunicação será vacilante, insegura ou artificial (exceção feita aos bons atores e àqueles que convencem a si próprios).
Com relação às mensagens verbais e não verbais, ou conscientes e inconscientes, vale ressaltar que para a PNL ambas são reais e igualmente importantes. Porque cada uma delas é a expressão de uma parte da pessoa.


As dicotomias saussurianas

  • Língua X Fala
Saussure também efetua, em sua teorização, uma separação entre língua e fala. Para ele, a língua é um sistema de valores que se opõem uns aos outros e que está depositado como produto social na mente de cada falante de uma comunidade, possui homogeneidade e por isto é o objeto da linguística propriamente dita. Diferente da fala que é um ato individual e está sujeito a fatores externos, muitos desses não linguísticos e, portanto, não passíveis de análise.
  • Sincronia X Diacronia
Ferdinand de Saussure enfatizou uma visão sincrônica, um estudo descritivo da linguística em contraste à visão diacrônica do estudo da linguística histórica, estudo da mudança dos signos no eixo das sucessões históricas, a forma como o estudo das línguas era tradicionalmente realizado no século XIX. Com tal visão sincrônica, Saussure procurou entender a estrutura da linguagem como um sistema em funcionamento em um dado ponto do tempo (recorte sincrônico).
  • Sintagma X Paradigma
O sintagma, definido por Saussure como “a combinação de formas mínimas numa unidade linguística superior”, e surge a partir da linearidade do signo, ou seja, ele exclui a possibilidade de pronunciar dois elementos ao mesmo tempo, pois um termo só passa a ter valor a partir do momento em que ele se contrasta com outro elemento. Já o paradigma é ,como o próprio autor define, um "banco de reservas" da língua fazendo com que suas unidades se oponham pois uma exclui a outra.
  • Significante X Significado
O signo linguístico constitui-se numa combinação de significante e significado, como se fossem dois lados de uma moeda.
·          
    • O significante do signo linguístico é uma "imagem acústica" (cadeia de sons). Consiste no plano da forma.
    • O significado é o conceito, reside no plano do conteúdo.
Contudo, indubitavelmente, a teoria do valor é um dos conceitos cardeais do pensamento de Saussure. Sumariamente, esta teoria postula que os signos linguísticos estão em relação entre si no sistema de língua. Entretanto, essa relação é diferencial e negativa, pois um signo só tem o seu valor na medida em que não é um outro signo qualquer: um signo é aquilo que os outros signos não são.


Apresentações das Aulas


http://www.2shared.com/file/aKClBVP2/Lingustica_I.html
http://www.2shared.com/file/JTqJDSph/No-verbais.html
http://www.2shared.com/file/bXwA-DDF/Sincronia_e_Diacronia.html
http://www.2shared.com/file/oDmDzlo2/Sintagma_e_paradigma.html


LÍNGUA ORAL E LÍNGUA ESCRITA

Cada uma com suas propriedades, a Língua Oral e a Língua Escrita se completam. Os falantes não escrevem exatamente como falam, pois a fala apresenta como características uma maior liberdade no discurso, pois não necessita ser planejada; pode ser redundante; enfática; usando timbre, entonação e pausas de acordo com a retórica – estas características são representadas na língua escrita por meio de pontuações.
Necessita-se de contato direto com o falante para que haja linguagem oral, sendo a mesma espontânea e estando em constante renovação. Assim, como o falante não planeja, em seu discurso pode haver uma transgressão à norma culta.
A escrita, por vez, mantém contato indireto entre escritor e leitor. Sendo mais objetiva, necessita de grande atenção e obediência às normas gramaticais, assim, a escrita caracteriza-se por frases completas, bem elaboradas e revisadas, explícitas, vocabulário distinto e variado, clareza no diálogo e uso de sinônimos. Devido a estes traços esta é uma linguagem conservadora aos padrões estabelecidos pelas regras gramaticais.
Ambas as linguagens apresentam características distintas que variam de acordo com o indivíduo que a utiliza, portanto considerando que as mesmas sofrem influência da cultura e do meio social, não se pode determinar que uma seja melhor que a outra, pois seria desconsiderar essas influências. No momento que cada indivíduo, com sua particularidade, consegue se comunicar a linguagem teve sua função exercida.


Linguagem Oral e Escrita - O erro


Atualmente, o domínio da língua, oral e escrita, é fundamental para a participação social efetiva, pois é por meio dela que o homem se comunica, tem acesso à informação, expressa e defende pontos de vista, divide ou constrói visões de mundo e produz novos conhecimentos.
Nesse sentido, ao ensiná-la a escola tem a responsabilidade de garantir a todos os seus alunos os saberes linguísticos, necessários ao exercício da cidadania, um direito de todos. Por isso, o ensino da língua portuguesa, tem sido o centro das discussões a fim melhorar a qualidade da educação no país.
Analisando o contexto histórico do ensino no Brasil, percebe-se que a pedagogia tradicional transmite muitas mensagens, como por exemplo, que o erro é vergonhoso precisando ser evitado a qualquer custo. Sob este ponto de vista, o aluno fica sem coragem de expressar seu pensamento, por medo de escrever ou falar de forma errada. A visão culposa do erro, na prática escolar, tem conduzido ao uso permanente do castigo como forma de correção e direção da aprendizagem, tornando a avaliação como base da decisão.
A ideia de erro surge no contexto da existência de um padrão considerado correto. A solução insatisfatória de um problema só pode ser considerada errada, a partir do momento que se tem uma forma considerada certa de resolvê-lo; uma conduta é considerada errada, na medida em que se tem uma definição de como seria considerada correta, e assim por diante.
“A tradição escolar, cuja crença é a de que se aprende pela repetição, concebe os erros como inadequações que as crianças cometem ao reproduzir o conteúdo que se ensinou.”(Kaufman et al; 1998, p. 46). Assim, todo o esforço do professor consiste em evitar que os erros ocorram e em corrigir aqueles que não puderam ser evitados.
Porém, de acordo com as novas práticas pedagógicas, o erro é visto como um indicador dos conhecimentos adquiridos ou em construção. Uma visão sadia do erro permite sua utilização de forma construtiva. Face a isto, quando tratamos de avaliação, impreterivelmente, precisamos enfrentar a questão do erro. Lidar com os erros dos aprendizes é, possivelmente, uma das maiores dificuldades dos professores. Superar essa dificuldade implica refletir a cerca do conceito que temos de erro.
Se o trabalho desenvolvido em sala de aula permitir as crianças escrever livremente, da forma como sabem, o resultado de suas escritas criará nelas próprias aflição e, consequentemente, a necessidade de superar os erros que cometem.
É fundamental ver os erros das crianças como indicações a cerca do nível de conhecimento que elas possuem sobre a língua escrita. Desse modo, o educador terá́ condições de planejar atividades que venham ajudar o aluno a superar suas limitações temporárias e, assim, progredir cognitivamente. Tais atividades envolveriam o ensino lúdico da ortografia, os trabalhos individuais e grupais, utilização de diferentes tipos de recursos didáticos e do próprio meio.
Receber o erro como processo de construção do conhecimento não significa ignorá-lo, aguardando que o aluno o perceba sozinho, e sim gerar situações problematizadoras e instigantes, que levam o aluno a reformular hipóteses e confrontar saberes.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
MEC (Ministério da Educação) Parâmetros Curriculares Nacionais. Língua Portuguesa. Brasília, MEC.1998.
SANTOS, Leonor Werneck dos. Oralidade e escrita nos PCN de língua portuguesa. Disponível em http://www.filologia.org.br/viiisenefil/08.html. Acessado em três de dezembro de dois mil e dez às dezessete e treze.
MARTELOTTA, M.E. (Org.) et al. Manual de Linguística. São Paulo: Contexto, 2008.
CAVÉQUIA. Márcia Paganini. Alfabetização/Márcia Paganini Cavéquia. São Paulo:
Scipione, 2004. – (A escola é nossa)
CÓCCO. Maria Fernandes. ALP: Alfabetização, análise, linguagem e pensamento: um trabalho de linguagem numa proposta socioconstrutivista/Maria Fernandes Cócco, Marco Antônio Hailer. São Paulo: FTD, 1995.
STEINLE. Marlizette Cristina Bonafini et al. Instrumentação do trabalho pedagógico nos anos iniciais do Ensino Fundamental/ Marlizette Cristina Bonafini Steinle; Elaine Teixeira França; Érica Ramos Moimaz; Ana Maria de Souza Valle Teixeira; Sandra Regina dos Reis Rampazzo; Edilaine Vagula. Londrina: Editora UNOPAR, 2008.




“UM GERENTE DE VENDAS RECEBEU O SEGUINTE FAX DE UM DOS SEUS NOVOS VENDEDORES:

SEO GOMIS,
‘O CRIENTE DE BELZONTE PIDIU MAIS CUATRUCENTA PESSA. FAZ FAVORTOMÁ AS PROVIDENSSA.
ABRASSO, NIRSO.’

APROXIMADAMENTE UMA HORA DEPOIS, RECEBEU OUTRO:
'SEO GOMIS,
OS RELATÓRIO DI VENDA VAI XEGÁ ATRAZADO PROQUE TÔ FEXANDO UMASVENDA. TEMO QUE MANDÁ TREIS MIR PESSA. AMANHÃ TÁ XEGANO.'
ABRASSO, NIRSO.
'NO DIA SEGUINTE:
'SEO GOMIS,
NUM XEGUEI PUCAUSA DE QUE VENDI MAIS DEIS MIR EM BERABA. TÔ INDOPRA BRAZILHA.

NO OUTRO:
'SEO GOMIS,
BRAZILHA FEXÔ 20 MIL. VÔ PRA FROLINÒPOLIS E DI LÁ PRA SUM PAULONO VINHÃO DAS CETE HORA.’
ASSIM FOI O MÊS INTEIRO.O GERENTE, MUITO PREOCUPADO COM A IMAGEM DA EMPRESA, POR CONTA DO PORTUGUÊIS DO NIRSO, LEVOU AO PRESIDENTE AS MENSAGENS QUE RECEBEU DO VENDEDOR.O PRESIDENTE ESCUTOU ATENTAMENTE O GERENTE E DISSE:
'-DEIXA COMIGO, QUE EU TOMAREI AS PROVIDÊNCIAS NECESSÁRIAS'.

E TOMOU. REDIGIU DE PRÓPRIO PUNHO UM AVISO E O AFIXOU NO MURAL DA EMPRESA, JUNTAMENTE COM AS MENSAGENS DE FAX DO VENDEDOR:

‘A PARTI DE OJE NOIS TUDO VAMO FAZÊ FEITO O NIRSO. SI PRIOCUPÁ MENOS EM ISCREVÊ SERTO , MOD VENDÊ MAIZ.' ACINADO,
O PRIZIDENTI. “”






VARIAÇÕES LINGUÍSTICAS
Marcus Maia
VARIAÇÃO DIATÓPICA

Uma língua não permanece a mesma em toda a extensão do território onde é falada. Um dos traços mais marcantes da identidade característica de uma pessoa é, sem dúvida, a sua origem geográfica. No âmbito da língua portuguesa, por exemplo, é comum tentar-se caracterizar a origem de uma pessoa com base em sua pronúncia ou em suas preferências de uso lexical. Assim, pode-se ouvir, no dia-a-dia, classificações informais sobre os falares regionais brasileiros, tais como, o falar mineiro, o falar carioca, o falar nordestino, etc.
Nem sempre estas classificações conseguem ser precisas, pois não é tarefa simples isolar variantes puramente geográficas dos demais tipos de variantes linguísticas, tais como as variações decorrentes da classe social, grau de educação, idade, estilo, etc. De fato, a variação linguística é um fenômeno tão pervasivo que pode-se até mesmo falar da variação individual do uso linguístico, conceito expresso pelo termo idioleto, que designa, exatamente, as particularidades próprias da língua falada por cada um de nós, uma vez que todos temos nossas preferências lexicais e características de pronúncia individuais.
O estudo das variantes geográficas é feito por uma disciplina denominada Geografa Linguística ou Geolinguística, relacionada a uma disciplina mais antiga e abrangente, a dialetologia. A Geolinguística, teve seu início com as pesquisas feitas pelo alemão Wenker e pelos franceses Gilliéron e Edmont. Estes últimos tornaram-se célebres pelo Atlas Linguístico da França, lançado na primeira década do século XX, tendo o segundo autor percorrido de bicicleta grande parte do território francês, em uma tarefa meticulosa de documentação dos falares regionais. De fato, a Geografa Linguística procura representar as variantes espaciais de uma língua em mapas ou atlas.
O linguista Mattoso Câmara Jr. propõe que os dialetos sejam as variantes que apresentem diferenças mais marcantes em relação à língua padrão, podendo incluir alguns traços morfossintáticos, enquanto que os falares regionais restringem-se, geralmente, ao léxico e à pronúncia. Por esse critério, as diferenças encontradas entre as variantes do português no Brasil caracterizariam quase sempre os falares regionais, embora alguns autores apontem a existência de um dialeto caipira. Geralmente, uma das variantes de uma língua é escolhida como a língua padrão de um país. Esta escolha não se baseia em propriedades linguísticas intrínsecas daquela variante, que é escolhida por razões políticas e culturais e não por que seja “melhor” ou “mais correta” do que as demais variantes. Assim, a variante do português falada no Rio de Janeiro, foi tomada como padrão, na década de 1950, pois o Rio de Janeiro na ocasião era a capital do Brasil.



VARIAÇÃO DIASTRÁTICA


Assim como varia horizontalmente, isto é, no âmbito da região geográfica onde é falada, uma língua também apresenta variações verticais, ou seja, no âmbito de uma comunidade específica localizada em uma mesma região geográfica, caracterizando o que se tem chamado de dialetos sociais ou socioletos. Há uma interação estreita entre a variação horizontal e a vertical. O próprio conceito de dialeto padrão, apresentado na seção anterior com base em um critério geográfico (por exemplo, o fato de o português do Rio de Janeiro ter sido indicado como padrão na década de 1950, quando o Rio de Janeiro era a capital do Brasil), pode ser reavaliado como sendo caracterizado por um dialeto social, considerando-se critérios como classe social, nível educacional, etc., independentemente da localização geográfica.
Nesse caso, o dialeto padrão pode ser definido como a variante linguística usada pelo grupo de falantes em posição de domínio político e econômico em uma dada sociedade. As variantes sociolinguísticas ocorrem em todas as sociedades e estão diretamente relacionadas às categorias através das quais cada sociedade se organiza. Nem sempre essas categorias permitem uma diferenciação nítida entre si, formando um sistema complexo em que cada fator entrecruza-se com os demais. Entre esses vários fatores de estratificação social, costuma-se distinguir os seguintes:

Idade – As diversas faixas etárias dos falantes que compõem uma sociedade apresentam correlatos linguísticos, muitas vezes mais aparentes no plano do vocabulário, mas que podem, também, manifestar-se na pronúncia e nos tipos de construção frasal preferenciais. Pode-se distinguir facilmente a linguagem infantil da linguagem do adulto, mas há também outras faixas etárias que, geralmente, apresentam peculiaridades de linguagem, tais como os adolescentes e os anciãos. Apreciaremos com maior vagar estas diferenças na seção.



     Sexo – Apesar da homogeneidade cada vez maior entre os papéis sociais desempenhados pelo homem e pela mulher nas grandes cidades, em muitas culturas, as diferenças de gênero costumam estar associadas, em maior ou menor grau, a diferenças linguísticas, sobretudo no que tange ao vocabulário. Nas sociedades indígenas, podem ocorrer diferenças formais bastante marcadas entre a fala do homem e a fala da mulher.

     Profissão – As atividades profissionais, geralmente, têm seu vocabulário técnico específico, dominado por seus praticantes. Essas características, geralmente lexicais, específicas dos grupos sócio profissionais recebem a denominação de jargão. Por exemplo: jargão médico, dos radioamadores, dos carpinteiros, etc. De caráter não técnico e, por vezes, carregada de conteúdo emocional, distingue-se, a gíria, vocabulário expressivo, utilizado por um grupo social a fim de se diferenciar dos demais.

      Posição social – O status dos falantes dentro do grupo social a que pertencem também atua como um elemento diferenciador da linguagem. Esse fator está estreitamente relacionado ao fator profissional e ao fator escolaridade.

Grau de escolaridade – A frequência à escola exerce uma influência forte sobre o grau de domínio e uso das regras da gramática prescritiva, atuando como um fator importante de implementação do dialeto padrão.

     Local de residência – Áreas dentro de uma mesma cidade, ou bairros, podem desenvolver seu uso próprio da linguagem, ficando seus membros caracterizados por certas escolhas vocabulares, certas expressões, gírias típicas, etc. Além desses fatores, há vários outros papéis sociais que podem variar de sociedade para sociedade e que, entre outros emblemas, podem estar associados a marcadores linguísticos.


VARIAÇÃO SITUACIONAL


Um mesmo falante de uma dada língua deve ser capaz de variar sua maneira de se expressar dependendo da situação em que se encontra. Por exemplo, ao se dirigir a um velho amigo em uma festa, certamente o falante deverá usar a linguagem de modo distinto daquele que usaria se estivesse em uma entrevista de emprego. Vários traços linguísticos correlacionam-se diretamente ao contexto imediato ou situação de fala em que o evento comunicativo ocorre. O ambiente físico, o contexto social ou cultural, o tema da fala, o grau de intimidade entre os interlocutores, os elementos emocionais são, todos, fatores inter-relacionados e, muitas vezes, sobrepostos, que caracterizam as chamadas variantes situacionais de fala, também denominadas de registros ou níveis de fala. Embora não haja uma escala padronizada de registros, costuma-se diferenciar os seguintes: formal, coloquial tenso, coloquial distenso e informal. Vejamos, abaixo, um exemplo em que o mesmo conteúdo, basicamente, está expresso de forma variável, de acordo com o registro adequado:
Formal – Há os que insistem em se locupletarem em detrimento de seus pares.
Coloquial tenso – Existem aqueles que teimam em se beneficiar em prejuízo dos demais.
Coloquial distenso – Tem gente que não pára de se aproveitar das pessoas.
Informal – Tem uns caras que vivem se dando bem em cima dos outros.
Naturalmente, esses eixos de variação não são mutuamente exclusivos, interagindo entre si de várias formas. Uma das mais importantes funções da variação linguística é permitir a identificação do indivíduo a um grupo. Como, geralmente, em todas as sociedades, os indivíduos pertencem a vários grupos, o uso da variante linguística adequada funciona como um elemento de identidade, podendo marcar-se o pertencimento a diferentes grupos através da mudança de código. O fenômeno da mudança de código pode se dar, tanto em relação a variantes de uma mesma língua, quanto em relação a várias línguas diferentes em sociedades bilíngues ou multilíngues.

VARIAÇÃO DIACRÔNICA

Uma língua está em permanente transformação. Não falamos hoje como falávamos há alguns anos; em todas as gerações, os jovens sempre falam diferente dos velhos, têm outras preferências vocabulares e de construção frasal e até pronúncias distintas. A mudança linguística é inexorável, afetando todos os níveis de organização das línguas, que vão se transformando, abandonando certas pronúncias, palavras e construções e adotando novos itens lexicais e estruturas sintáticas.



Assim, em cada momento da história de uma língua, encontram-se arcaísmos e neologismos. Os arcaísmos são vocábulos ou construções sintáticas que deixaram de ser usados. Por exemplo, palavras como alpendre, itajer, supimpa, outrossim, são arcaicas, podendo ainda ser ouvidas, talvez, apenas na boca dos mais idosos. Além dos vocábulos, as construções frasais também envelhecem. Por exemplo, no século XIX, eram comuns frases como Ninguém não veio, em que uma palavra de sentido negativo precedia o verbo, sem que se omite-se o advérbio de negação. Nessa época usava-se também a construção ambos os dois, atestada mesmo em textos literários. A expressão é, hoje, considerada incorreta pela gramática normativa, que a caracteriza como um caso de pleonasmo, redundância a ser evitada. Também eram bem mais comuns o uso da mesóclise (far-se-á), do pretérito mais-que-perfeito (amara, bebera, partira) e de algarismos romanos, hoje de uso já bastante restrito. Os neologismos são os novos vocábulos que não ocorriam em gerações anteriores com o mesmo significado, ou que são recuperados com diferentes valores semânticos. Ex: marajá, clicar, xerocar, etc.
Em função do desenvolvimento científico, novos conceitos e técnicas surgem, exigindo caracterização linguística. Os novos vocábulos podem ser formados a partir de recursos da própria língua ou por empréstimo. Até metade do século XX, grande parte das novas palavras incorporadas ao léxico da língua portuguesa era de origem francesa (galicismos), pois a França exercia grande influência cultural sobre o Brasil. Palavras como abajur, chofer, champanhe, menu, charme, chique, butique, guichê integraram-se ao português nessa época. A partir da segunda guerra mundial, a influência crescente dos Estados Unidos faz-se notar na incorporação de anglicismos, palavras de origem inglesa, pelas línguas do mundo. A área da informática oferece grande número de exemplos: internet, software, mouse, host, driver, scanner, laptop, e-mail, homepage, Windows – tantos, que apenas raramente são adaptados aos padrões ortográficos da língua portuguesa. Além dessas importações lexicais, registram-se, também, atualmente, no português, neologismos sintáticos de base inglesa, tais como a anteposição do termo modificador ao modificado, ao invés da ordem modificado - modificador característica do português. Assim, usa-se, por exemplo, futebol clube ao invés de clube de futebol; esporte clube ao invés de clube esportivo ou de esportes. Além dessas, ouvem-se muito hoje, também, construções importadas do inglês como é suposto de ser (it is supposed to be), é dito ser (it is said to be) e mesmo tem sido mostrado (it has been shown) ou vão estar fazendo (they are going to be doing).

REFERÊNCIAS

MAIA, Marcus. Manual de Linguística: subsídios para a formação de professores indígenas na área de linguagem / –  Brasília:  Ministério  da  Educação,  Secretaria  de  Educação  Continuada,  Alfabetização  e  Diversidade; LACED/Museu Nacional, 2006.




A CONSTRUÇÃO DO TEXTO

Maria Lúcia Mexias Simon
A noção de texto é central na linguística textual e na teoria do texto, abrangendo realizações tanto orais quanto escritas, que tenham a extensão mínima de dois signos linguísticos, sendo que a situação pode assumir o lugar de um dos signos como em "Socorro!". (Stammerjohann, 1975). Para a construção de um texto é necessária a junção de vários fatores que dizem respeito tanto aos aspectos formais como as relações sintático-semânticas, quanto às relações entre o texto e os elementos que o circundam: falante, ouvinte, situação (pragmática).
Um texto bem construído e, naturalmente, bem interpretado, vai apresentar aquilo que Beaugrande e Dressier chamam de textualidade, conjunto de características que fazem, de um texto, e não uma sequência de frases. Esses autores apontam sete aspectos que são responsáveis pela textualidade de um texto bem constituído: 





É o aspecto que assumem os conceitos e relações subtextuais, em um nível ideativo. A coerência é responsável pelo sentido do texto, envolvendo fatores lógico-semânticos e cognitivos, já que a interpretabilidade do texto depende do conhecimento partilhado entre os interlocutores. Um texto é coerente quando compatível como conhecimento de mundo do receptor. Observar a coerência é interessante, porque permite perceber que um texto não existe em si mesmo, mas sim se constrói na relação emissor-receptor-mundo.
                             Intertextualidade
Concerne aos fatores que tornam a interpretação de um texto dependente da interpretação de outros. Cada texto constrói-se, não isoladamente, mas em relação a outro já dito, do qual abstrai alguns aspectos para dar-lhes outra feição. O contexto de um texto também pode ser outros textos com os quais se relaciona.
Intencionalidade
Refere-se ao esforço do produtor do texto em construir uma comunicação eficiente capaz de satisfazer os objetivos de ambos os interlocutores. Quer dizer, o texto produzido deverá ser compatível com as intenções comunicativas de quem o produz.

Aceitabilidade

O texto produzido também deverá ser compatível com a expectativa do receptor em colocar-se diante de um texto coerente, coeso, útil e relevante. O contrato de cooperação estabelecido pelo produtor e pelo receptor permite que a comunicação apresente falhas de quantidade e de qualidade, sem que haja vazios comunicativos. Isso se dá porque o receptor esforça-se em compreender os textos produzidos.

Informatividade

É a medida na qual as ocorrências de um texto são esperadas ou não, conhecidas ou não, pelo receptor. Um discurso menos previsível tem mais informatividade. Sua recepção é mais trabalhosa, porém mais interessante, envolvente. O excesso de informatividade pode ser rejeitado pelo receptor, que não poderá processá-lo. O ideal é que o texto se mantenha num nível mediano de informatividade, que fale de informações que tragam novidades, mas que venham ligadas a dados conhecidos.

Situacionalidade

É a adequação do texto a uma situação comunicativa, ao contexto. Note-se que a situação orienta o sentido do discurso, tanto na sua produção como na sua interpretação. Por isso, muitas vezes, menos coeso e, aparentemente, menos claro pode funcionar melhor em determinadas situações do que outro de configuração mais completa. É importante notar que a situação comunicativa interfere na produção do texto, assim como este tem reflexos sobre toda a situação, já que o texto não é um simples reflexo do mundo real. O homem serve de mediador, com suas crenças e ideias, recriando a situação. O mesmo objeto é descrito por duas pessoas distintamente, pois elas o encaram de modo diverso. Muitos linguistas têm-se preocupado em desenvolver cada um dos fatores citados, ressaltando sua importância na construção dos textos.

Texto completo

http://www.filologia.org.br/revista/40suple/a_construcao_de_texto.pdf



A COESÃO TEXTUAL


Para fazer uma análise de alguns aspectos da coesão textual, escolhemos o trecho a seguir:

(19) Quem são eles
 1. Nas mãos deles, 169 milhões de vidas, o destino de um país gigante e uma crise brutal, com risco até de congestões capazes de ferimentos profundos no regime constitucional e na tranquilidade relativa dos brasileiros. 2. Tudo foi dado a eles: o sacrifício de direitos, o sacrifício de milhões de empregos, o sacrifício de incontáveis empresas brasileiras, o sacrifício da legitimidade do Congresso, o sacrifício do patrimônio nacional, o sacrifício da Constituição. E eles quebraram o país.
3. Quem são eles? Um presidente abúlico, alheio a todas as realidades desprovidas de pompas e reverências
e que só reconhece um ser humano, por acaso ele próprio; avesso a administrar, por desconhecimento agravado pela indecisão, e que se ocupa tanto de bater papo quanto não se ocupa de trabalhar.
4. Como complemento, um ministério apenas pró-forma, desautorizado pela evidência de que não foi montado para ser competente, mas por negócio político.
E nele uma equipe econômica dividida entre inseguros eternos, como Pedro Malan, e a audácia dos imaturos no saber e na mentalidade, como Gustavo Franco e Francisco Lopes.
5. Em 36 horas, entre quarta e sexta-feira, o presidente e seus orientadores econômicos submeteram o Brasil a três sistemas cambiais. O dos últimos anos; o da repentina desvalorização do real, na quarta-feira; e o recomendado na noite de quinta pelo governo americano e o FMI (como relatou o "The New York Times"), liberando o valor do dólar em relação ao real. Ou seja, desvalorizando ainda mais o real. Nem no Haiti isso aconteceu alguma vez.
6. Não é necessário, portanto, considerar o que eles fizeram em quatro anos para saber do que são capazes contra a crise perigosa. Bastam as 36 horas de obtusidade e de leviandade, com o presidente insistindo duas vezes em sair de férias a meio do turbilhão que angustiava o país. (...) (Jânio de Freitas, Folha de S. Paulo,
17/02/98).
A partir de agora, principalmente por questões de espaço, tentaremos fazer a análise do texto do exemplo (19), considerando alguns mecanismos de coesão utilizados pelo locutor do texto, para conseguir construir sua avaliação sobre os fatos econômicos e políticos acontecidos na semana que precedeu a publicação do artigo.
 Em primeiro lugar, o locutor inicia seu texto com certa "estratégia de suspense". Ele anuncia que vai falar sobre algumas pessoas (ver o título do artigo), mas não as identifica de pronto. No título, o locutor mobiliza o pronome "eles" para iniciar a construção do referente textual. Em geral, os textos são iniciados de outra maneira, introduzindo o referente textual por meio de um nome, de um sintagma, de um fragmento de oração, uma oração, ou todo um enunciado, que, "além de fornecerem, em grande número de casos, instruções de concordância, contêm, também, instruções de sentido, isto é, fazem referência a algo no mundo extralinguístico". No entanto, o locutor desse texto prefere continuar com a "estratégia de suspense". No primeiro parágrafo, as pessoas que serão tematizadas pelo texto são designadas pelo pronome "deles", na expressão "Nas mãos deles (...)". No início do segundo parágrafo, o locutor se refere às pessoas sobre quem vai falar por meio do pronome "eles", no enunciado "Tudo foi dado a eles". E finaliza esse parágrafo com o enunciado "E eles quebraram o país".
Até aqui, portanto, o locutor utilizou-se do recurso da pronominalização para atribuir ações às pessoas de quem fala. Será apenas a partir do terceiro parágrafo que o locutor vai nos desvendar o mistério sobre a identidade do referente textual. O locutor faz, então, a pergunta: "Quem são eles?", e responde: "um presidente abúlico" (terceiro parágrafo); "um ministério apenas pró-forma" e "(...) e, nele, uma equipe  econômica dividida entre os inseguros eternos, como Pedro Malan, e a audácia dos imaturos no saber e na mentalidade, como Gustavo Franco e Francisco Lopes" (quarto parágrafo).
Esse mecanismo é o que Koch (1989) chamará de coesão referencial: "aquela em que um componente da superfície do texto faz remissão a outros) elementos) do universo textual'. No nosso exemplo, os pronomes utilizados nos dois primeiros parágrafos fazem remissão aos sintagmas e às orações dos terceiro e quarto parágrafos do texto. Como essa remissão foi feita para frente no texto, é denominada catafórica. Podemos dizer que esse texto teve um início catafórico. A partir do quarto parágrafo, as remissões serão anafóricas: as expressões "o presidente e seus orientadores econômicos" remetem para trás, para as expressões "um presidente" e "uma equipe econômica" respectivamente. A anáfora, em geral, é um movimento de remissão mais comum, mais utilizado na construção da referência. Iniciar um texto cataforicamente é menos comum, apesar de ser um recurso argumentativo que começa a se fazer mais presente nos textos jornalísticos, como é o caso do nosso exemplo.
Do ponto de vista argumentativo, ficou bastante interessante a combinação da estratégia de suspense na construção dos referentes textuais com a atribuição de um imenso poder a este mesmo referente, pelo mecanismo sintático de apassivação, nos dois primeiros parágrafos do texto: "nas mãos deles", estávamos todos nós e o destino de nosso país; "tudo foi dado a eles"; e a enumeração bastante enfática (pela repetição do sintagma) dos diferentes "sacrifícios" impostos por "eles". Por último, o enunciado na voz ativa, atribuindo aos referentes uma ação da maior gravidade: "E eles quebraram o país".
Essa combinação fez com que a revelação da identidade dos referentes textuais fosse mais marcante do ponto de vista argumentativo, já que antes desta identidade ser revelada, a ela foram acrescentadas as imagens de um poder imenso que não foi utilizado em benefício daqueles que a "eles" se entregaram. Um outro mecanismo importante de coesão referencial presente neste texto é a definitivização. Segundo Koch (1997), uma das regras para o emprego dos artigos como formas remissivas é aquela em que um referente, ao ser introduzido por um artigo indefinido, somente pode ser retomado por um artigo definido. Coerente com a estratégia de suspense, o locutor utiliza-se ao máximo do expediente de iniciar os parágrafos com referentes introduzidos por artigos indefinidos, como, por exemplo, "(...) Um presidente..." (parágrafo 3), "(...) um ministério..." (parágrafo 4), "(...) uma equipe econômica..." (parágrafo 4), para somente, então, a partir do quinto parágrafo, começar a desvendar o "eles" : "o presidente" (parágrafos 5 e 6) e "seus orientadores econômicos" (parágrafo 5).
Poderíamos continuar falando de outros mecanismos de coesão referencial utilizados pelo locutor nos quatro primeiros parágrafos do texto: a elipse, no terceiro parágrafo: "(um presidente) alheio a todas as realidades (...)", "(um presidente) que só reconhece um ser humano, por acaso, ele próprio (...)", "(um presidente) avesso a administrar (...)"; a remissão catafórica (para frente) do pronome indefinido "tudo" aos diferentes "sacrifícios", no segundo parágrafo; a remissão anafórica do pronome indefinido "isso" aos enunciados anteriores, no quinto parágrafo; a repetição do sintagma "o sacrifício", no segundo parágrafo, a repetição da expressão nominal definida "o presidente", entre outros. Não seguiremos adiante na enumeração dos mecanismos utilizados. O que nos interessa dizer, finalmente, sobre o mecanismo da coesão referencial é que este não é utilizado ingenuamente, estando, na maioria dos casos, a serviço dos objetivos do locutor no momento da produção de seu texto. No exemplo (19), vimos que este mecanismo apoiou fortemente a argumentação empreendida pelo locutor.
Passemos agora à análise dos mecanismos de sequenciação' utilizados para a progressão do texto do exemplo (19). A progressão do texto pode ser percebida pela forma como o tema é, ao mesmo tempo, mantido e renovado. Este procedimento de manutenção temática diz respeito à articulação entre a informação dada (tema) e a informação nova (rema). No caso do exemplo (19), a sequenciação predominante é a chamada sequenciação parafrástica, ou seja, aquela com procedimentos de recorrência. Um primeiro exemplo dessa forma de sequenciação é a recorrência de estruturas sintáticas ou o chamado "paralelismo sintático": "(...) o sacrifício de direitos, o sacrifício de milhões de empregos, o sacrifício de incontáveis empresas brasileiras, o sacrifício da legitimidade do Congresso, o sacrifício do patrimônio nacional, o sacrifício da Constituição (...)" (segundo parágrafo). Um outro exemplo desse mesmo recurso:
"(um presidente) alheio a todas as realidades (...), (um presidente) avesso a administrar" (terceiro parágrafo). A reiteração dos termos desempenha um papel fortemente argumentativo, como se a repetição das estruturas funcionasse de forma que registrasse, de maneira definitiva, na memória do leitor, as críticas feitas aos referentes textuais.
Um outro exemplo de sequenciação parafrástica é a recorrência de conteúdos semânticos ou paráfrase. No texto de Jânio de Freitas, a paráfrase é feita no final do quinto parágrafo, introduzida pela expressão "ou seja": "(...) e o recomendado na noite de quinta-feira pelo governo americano e o FMI (como relatou "The New York Times"), liberando o valor do dólar em relação ao real. Ou seja, desvalorizando ainda mais o real". A paráfrase aqui presente serve para reforçar o encadeamento discursivo que o locutor do texto vai estabelecer logo a seguir, introduzido pelo operador "nem": "Nem no Haiti isso aconteceu alguma vez".
O encadeamento discursivo estabelecido é o de conjunção, efetuado por operadores, como "é", "também", "não só... mas também", "tanto... como", "além de", "além disso", "ainda", "nem", que ligam enunciados que constituem argumentos para uma mesma conclusão. No caso de nosso exemplo, o relato feito pelo locutor, ao longo do quinto parágrafo, só servirá de reforço para o argumento de incompetência e má-gestão dos governantes ante a crise que se abateu sobre o país naquela semana. Além disso, implicitamente, coloca esta gestão em comparação com o governo do Haiti, país famoso por suas injustiças sociais, violências e instabilidade econômica. Não tivemos a pretensão de esgotar a análise dos recursos coesivos presentes nesse texto. Apenas estivemos fazendo um exercício de observação de alguns recursos coesivos importantes, mobilizados pelo locutor na construção de sua argumentação.



REFERÊNCIAS

KOCH, 1. G. V. Argumentação e linguagem. São Paulo, Cortez Editora, 1987.
________ A coesão textual. São Paulo, Contexto, 1989.
________ O texto e a construção dos sentidos. São Paulo, Contexto, 1997.

Para melhor entendimento leia



COERÊNCIA: DE QUE DEPENDE, COMO SE ESTABELECE.

Considerações gerais

Por tudo o que já dissemos até agora, fica mais do que evidenciado que a coerência se estabelece na dependência de uma multiplicidade de fatores, o que inclusive levou a uma abordagem multidisciplinar dessa mesma coerência. Uma vez que ela passou a ser vista como um princípio de interpretabilidade do texto, tudo o que afeta (auxilia, possibilita ou dificulta, impede) essa interpretação do texto tem a ver com o estabelecimento da coerência. Os estudos sobre coerência, abstraídas as questões de ênfase e explicitude dos fatores abordados, são quase unânimes em postular que o estabelecimento da coerência depende: a) de elementos linguísticos (seu conhecimento e uso), bem como, evidentemente, da sua organização em uma cadeia linguística e como e onde cada elemento se encaixa nesta cadeia, isto é, do contexto linguístico; b) do conhecimento de mundo (largamente explorado pela semântica cognitiva e/ou procedural), bem como o grau em que esse conhecimento é partilhado pelo(s) produtor(es) e receptor(es) do texto, o que se reflete na estrutura informacional do texto, entendida como a distribuição da informação nova e dada nos enunciados e no texto, em função de fatores diversos; c) de fatores pragmáticos e interacionais, tais como o contexto situacional, os interlocutores em si, suas crenças e intenções comunicativas, a função comunicativa do texto.
Evidentemente, cada um destes fatores se relaciona com outros fatores. Assim, o conhecimento de mundo terá a ver, na interpretação, com a construção de um mundo textual e sua adequação aos modelos de mundo do produtor e receptor do texto. Essa construção do mundo textual vai depender largamente das inferências que o interpretador faz ou pode fazer. Em nível semântico, tal conhecimento de mundo terá a ver com o estabelecimento de uma unidade/continuidade de sentido, um sentido único para o todo. Ligada ainda ao conhecimento de mundo, temos a questão da informatividade, que diz respeito à previsibilidade/ imprevisibilidade da informação dentro do mundo textual .
0 contexto situacional se relaciona tanto com o nível semântico e o conhecimento de mundo, como, por exemplo, na identificação de referentes deiticamente indicados, quanto com o nível pragmático, quando, por exemplo, só se pode identificar que ato de fala é executado por um enunciado por saber situacionalmente que temos um patrão falando com o empregado numa fábrica. Retornaremos a estas questões no item sobre situacionalidade. Pragmaticamente, princípios conversacionais, como os de Grice (1975), podem afetar o estabelecimento da coerência. Grice estabelece, como postulado básico que rege a comunicação humana, o Princípio da Cooperação ("Faça sua contribuição conversacional tal como é requerida no momento em que ocorre pelo propósito ou direção do intercâmbio em que está engajado") do qual decorrem quatro máximas:
a) Máxima da Quantidade ("Faça que sua contribuição seja tão informativa quanto for requerido para o propósito corrente da conversação; não a faça mais informativa do que o requerido"); b) Máxima da Qualidade ("Não diga o que acredita ser falso; não diga senão aquilo para o que você possa fornecer evidência adequada"); c) Máxima da Relação ("Seja relevante pertinente): d) Máxima do Modo ("Seja claro").
Charolles e Franck apresentam o princípio da cooperação como básico no processo de interpretação que leva ao estabelecimento da coerência: os usuários sempre se assumem mutuamente como cooperativos e, portanto, creem que a sequência linguística a ser interpretada foi produzida para ser um texto coerente, quer os sinais de coerência se manifestem diretamente na superfície linguística ou não. Isto se explica por meio dos princípios de textualidade que abordamos em 4.8., a saber, a intencionalidade e aceitabilidade. Charolles (1987) enfatiza que a coerência é estreitamente dependente do interpretador que recebe o texto e busca interpretá-lo, usando seus conhecimentos linguísticos, de mundo etc.
Nos textos conversacionais orais, elementos paralinguísticos também atuam no estabelecimento da coerência: olhar, movimentos do corpo (Goodwin, 1981), expressão facial, posturas corporais, interação corporal (proximidade, toques etc.), gestos (dêiticos ou não) podem dar o sentido ou modificar totalmente o sentido do que se enuncia, afetando, pois, a coerência. Van Dijk (1981) apresenta a seguinte lista: movimentos dêiticos, outros gestos, expressão facial, movimentos do corpo e interação corporal, como afetando a identificação de atos de fala realizados através dos enunciados. Sabemos que, em muitos casos, tais elementos afetam o enunciado também no que respeita a seu sentido não pragmático, proposicional. Outros elementos que afetam o cálculo do sentido e, portanto, a coerência, apenas no oral, são a entonação e fatores prosódicos em geral, como velocidade e ritmo de fala.
A coerência depende também da observação de certas convenções sociais de como se devem realizar certos atos de fala. Assim, por exemplo, a fala do doente mental não se preocupa com o significado social das ligações que faz e, por isso, soa incoerente. Charolles (1978) propõe quatro meta-regras de coerência: repetição, progressão, não contradição e relação. Segundo a meta-regra de repetição, um texto, para ser coerente, deve conter, em seu desenvolvimento linear, elementos de recorrência estrita. A meta-regra de progressão diz que, para que um texto seja coerente, é preciso haver no seu desenvolvimento uma contribuição semântica constantemente renovada.
0 que se depreende dessas duas regras é que, em todo texto, deve haver retomadas de elementos já enunciados e, ao mesmo tempo, acréscimo de informação. São estas idas e vindas que permitem construir textualmente a coerência. As retomadas são feitas, em grande parte, por meio dos mecanismos de coesão referencial e, na progressão, exercem papel importante os mecanismos de coesão sequencial (cf. Koch, 1989). Isto é, a coerência manifesta-se parcialmente no texto através dos mecanismos coesivos. Segundo a meta-regra de não-contradição, para o texto ser coerente, "é preciso que no seu desenvolvimento não se introduza nenhum elemento semântico que contradiga um conteúdo posto ou pressuposto por uma ocorrência anterior, ou deduzível desta por inferência". Já pela meta-regra de relação o texto será coerente se "os f atos que se denotam no mundo representado estejam relacionados". Posteriormente, Charolles (1979) propõe o acréscimo da meta-regra de macroestrutura, tomada de empréstimo a Van Dijk.

Nas seções seguintes, buscaremos explicitar como cada tipo de fator e/ou cada fator em particular concorre para o estabelecimento da coerência.


4.2. Conhecimento linguístico


Todos os estudiosos são unânimes em admitir que os elementos linguísticos têm grande importância para o estabelecimento da coerência, embora Brown e Yule (1983) afirmem que é ilusão pensar que entendemos o significado de uma mensagem com base apenas nas palavras e na sintaxe. Buscando evidenciar que a compreensão depende de nosso conhecimento de mundo e de fatores pragmáticos, dão exemplos de mensagens linguísticas que não têm a forma de frase, semelhantes ao exemplo (12).
(12) Exemplo semelhante ao de Brown e Yule é o do aviso transcrito abaixo e afixado no quadro de avisos junto à entrada da biblioteca de uma instituição que se dedica ao estudo da linguagem.
Colóquios
0 discurso narrativo dos mitos indígenas Prof. Dr. João da Silva ï.' feira, 20-10-1988
14 horas
Auditório 111
A compreensão deste aviso, cujos elementos linguísticos não chegam a constituir uma frase, depende pelo menos dos seguintes conhecimentos do produtor e receptor do texto, não presentes no aviso:
a) que os colóquios são reuniões de professores e alunos da instituição e outros interessados em que um pesquisador (da instituição ou não) expõe um trabalho seu em andamento ou concluído, seguindo-se à exposição discussões sobre o assunto; b) que o assunto é de linguística; c) quem é o Professor e quais suas qualificações; e d) onde é o Auditório III.
Vimos que é a coerência que determina, em última instância, que elementos vão constituir a estrutura superficial linguística do texto e como eles vão estar encadeados na sequência linguística superficial, e isto é suficiente para deixar claro que a recuperação desta coerência passa pelas marcas linguísticas. Muitos autores inclusive chamam a atenção para a relação do linguístico com o conceitual-cognitivo (conhecimento de mundo) e com o pragmático, o que reforça ainda mais a importância das marcas linguísticas como pistas para o cálculo do sentido e, portanto, da coerência do texto.


Conhecimento de mundo


Se o conhecimento linguístico é necessário para o cálculo da coerência, todos os estudiosos são unânimes em afirmar que tal conhecimento é apenas parte do que usamos para interpretar um texto e, portanto, para estabelecer sua coerência. 0 estabelecimento do sentido de um texto depende em grande parte do conhecimento de mundo dos seus usuários, porque é só este conhecimento que vai permitir a realização de processos cruciais para a compreensão, a saber:
a) a construção de um mundo textual. A esse mundo se ligam crenças sobre mundos possíveis na concepção dos usuários, o que passa pelo modo como o receptor vê o texto: falando de um mundo real? de ficção? etc. Isto influencia decisivamente se ele vai ver o texto como coerente ou incoerente. Além disso, para haver compreensão é preciso que o mundo textual do emissor e do receptor tenham certo grau de similaridade. 0 mundo textual, a representação do mundo pelo texto, nunca coincide exatamente com o "mundo real", porque há sempre a mediação dos conhecimentos de mundo (que podem ser mais ou menos amplos), dos interesses e dos objetivos de quem produz (fala, escreve) o texto e de quem o recebe (ouve, lê) e interpreta, buscando seu sentido. Para que a coerência do texto possa ser estabelecida é preciso haver correspondência, ao menos parcial, entre os conhecimentos ativados a partir do texto e o conhecimento de mundo do receptor, armazenado em sua memória de longo termo;
b) o relacionamento de elementos do texto (frases, partes do texto), aparentemente sem relação, através de inferências;
c) o estabelecimento da continuidade de sentido, através do conhecimento ativado pelas expressões do texto na forma de conceitos e modelos cognitivos;
d) a construção da macroestrutura. 0 conhecimento de mundo é visto como uma espécie de dicionário enciclopédico do mundo e da cultura arquivado na memória. Vários estudos tratam da memória falando em memória semântica e episódica ou em memória de longo termo (ou permanente), de médio termo (ou operacional) e de curto termo (ou temporária). As memórias semântica e episódica podem ser encaixadas na memória de longo termo. Por isso vamos caracterizar apenas as três últimas, utilizando principalmente as formulações de Kato (1986). A memória temporária é o lugar onde podemos armazenar sequências de números ou de palavras e tem uma capacidade de armazenagem limitada, conforme alguns estudos, a sete itens. A memória operacionál é o lugar onde o conteúdo proposicional é armazenado, não tendo limitação quantitativa. Nela ocorre recodificação dos elementos da memória temporária com uma abstração da forma, através da associação de seu conteúdo proposicional a uma informação prévia do indivíduo. Os conceitos são aí ativados como unidades de sentido. A memória permanente é o espaço de armazenagem e organização de todo o nosso conhecimento de mundo, incluindo o conhecimento linguístico, conceitos, modelos cognitivos globais, fatos generalizados e episódios particulares provenientes da experiência de cada indivíduo.


Inferências


Outro fator importante para a compreensão e o estabelecimento da coerência de um texto, ligado ao conhecimento de mundo, são as inferências. Basicamente se entende por inferência aquilo que se usa para estabelecer uma relação, não explícita no texto, entre dois elementos desse texto. Beaugrande e Dressier (1981) dizem que inferência é a operação que consiste em suprir conceitos e relações razoáveis para preencher lacunas (vazios) e descontinuidades em um mundo textual.
Para eles, o inferenciamento busca, pois, sempre resolver um problema de continuidade de sentido. Para Brown e Yule (1983), inferências são conexões que as pessoas fazem quando tentam alcançar uma interpretação do que leem ou ouvem, isto é, é o processo através do qual o leitor (ou ouvinte) consegue captar, a partir do significado literal do que é escrito ou dito, o que o escritor (falante) pretendia veicular. A inferência é sempre vista como uma "assunção ligadora", isto é, que estabelece uma relação entre duas ideias do discurso.
Como surgem as inferências? Evidentemente de uma necessidade e do conhecimento de mundo do leitor ou ouvinte. Charolles (1987a) diz que o processo de interpretação e reinterpretação é comandado pelo princípio da coerência, que leva aquele que interpreta o texto a construir relações que não estão expressas nos dados do texto: estas relações são as inferências que podem ser ou não linguisticamente fundadas. Observa que os linguistas se põem como tarefa separar as inferências linguisticamente fundadas das não linguisticamente fundadas. Nesta tarefa, alguns sobrecarregam o léxico (enciclopédico) de seus sistemas com o fim de manter o máximo de inferências dentro do domínio linguístico, mas observa-se que as determinações linguísticas cedem cada vez mais terreno a outras determinações, como as psicológicas. Charolles (1987) propõe uma classificação das inferências em diferentes tipos:
a) substanciais, inalienáveis ou necessárias: que seriam aquelas a que não podemos fugir, que são obrigatoriamente feitas (exemplos 29 a 31).
(29) João tem um Scort XR3 --> João tem um carro.
b) "convidadas" ou possíveis: que podem ou não ser feitas.
(30) João tem um Scort --> João tem carteira de motorista.
c) contextuais: que variam com o contexto.
(31) Você sabia que o João parou de fumar?
substancial: João fumava antes.
contextual: Pode haver uma reprovação nessa pergunta, se ela é feita com o propósito de
censurar o interlocutor que não quer parar de fumar.
Esse tipo de inferência é que ocorre nos atos de fala indiretos.
(32) Você pode me passar o sal? --> Ele quer o sal.
d) retroativas ou para trás: são as que se fazem sobre o sentido de um termo ou expressão a partir de algo dito posteriormente.
(33) Pedro tem um grilo.
 a) Alimenta-o todos os dias. animal
 b) Não sabe se a namorada gosta dele. preocupação.

Beaugrande e Dressier (1981:102) apresentam objeções ao uso das inferências na explicação do processo de compreensão de textos ou como parte do modelo que representaria esse processo por duas razões: primeiro, porque as inferências admitidas neste processo seriam escolhidas arbitrariamente e, segundo, porque as inferências admitidas são poucas, uma vez que os usuários podem fazer muitas outras.
Sempre se podem fazer muitas inferências a partir dos elementos de um texto. Como limitar essas inferências apenas às necessárias e/ou relevantes à interpretação autorizada pelo texto e desejada pelo seu produtor? De acordo com Brown e Yule (1983), um problema que se levanta para toda tentativa de incorporar o conhecimento do mundo ao processo de compreensão do texto é encontrar um meio de limitar a incorporação de dados desse conhecimento ao estritamente relevante, na interação.
Alguns meios que executariam essa difícil tarefa de limitar as inferências seriam:
a) o contexto, que pode ser o contexto linguístico (ou co-texto) e o contexto de situação (contexto sociocultural, circunstancial). A atuação do co-texto é questionada por Brown e Yule (1983), que dizem que os elementos do contexto linguístico não dão base ao analista para determinar as inferências que realmente são feitas, porque a ação de inferir fica como um processo que é dependente do contexto específico do texto e localizado no leitor (ou ouvinte) individual;
b) a cooperação retórica, em termos de aceitação de argumentos;
c) a força ilocuciondria do enunciado e a tarefa do ouvinte (ou leitor);
d) a localização, a que Charolles (1987) se refere como "filtragem pelo alto". (Sobre focalização, cf. 4.9.) Diante da dificuldade de limitação das inferências, poder-se-ia considerar ideal que se construíssem textos que exigissem poucas (ou nenhuma) inferências para sua compreensão.

Intertextualidade

Conforme Beaugrande e Dressier, a intertextualidade compreende as diversas maneiras pelas quais a produção e recepção de dado texto depende do conhecimento de outros textos por parte dos interlocutores, isto é, diz respeito aos fatores que tornam a utilização de um texto dependente de um ou mais textos previamente existentes.
Tais maneiras, a nosso ver, incluem fatores relativos a conteúdo, fatores formais e fatores ligados a tipos textuais.
Os fatores ligados a conteúdo são bastante evidentes e se ligam a questões de conhecimento de mundo. Um exemplo seria o fato de nos referirmos, neste texto, a atos de fala, força ilocucionária, condições de felicidade sem nos preocuparmos em explicar o que sejam, remetendo, intertextualmente, a outros textos da ciência linguística que tratam do assunto. Dessa forma, o entendimento desse texto depende do conhecimento de outros e, portanto, também sua coerência. Outro exemplo seria o de matérias jornalísticas que cobrem um mesmo fato, durante vários dias. Cada artigo pressupõe que os leitores conheçam os artigos sobre o mesmo assunto publicados anteriormente, estabelecendo com eles a inter-textualidade. Não nos estenderemos mais nas questões intertextuais ligadas ao conteúdo.
Quanto à intertextualidade de caráter formal, ela pode estar ou não vinculada à tipologia textual. Limitarnos-emos aqui a dar exemplos não ligados à tipologia, já que o aspecto tipológico é tratado a seguir. Há textos que mantêm intertextualidade com a Bíblia por lhe imitarem a forma. Naturalmente, quem ler estes textos, sem conhecer a Bíblia, pode até atribuir-lhes um sentido, mas certamente deixará de perceber muitas das significações pretendidas pelo produtor dos mesmos. É o caso também do texto "Grande ser, tão veredas" de Paulo Leminski, publicado na Folha de S. Paulo, que remete, pelo título, mas sobretudo pela forma em que é escrito, a Grande Sertão Veredas de Guimarães Rosa.

REFERÊNCIAS - Fonte do texto anexo.
a)      FÁVERO, L.L Coesão e coerência textuais. São Paulo: Ática, 2000.
b) KOCH I. G. V. e TRAVAGLIA, L. C. Texto e coerência. São Paulo: Cortez, 1989.



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